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domingo, 11 de julho de 2010

“I try to say good-bye, and I choke; Try to walk away, and I stumble”

25/11/2008 – 23:55h
Acordou com o toque de mensagem do celular: "Oi, sabe que o ele não tá bem? Bj."

Meses antes
- Posso mesmo ir à reunião? Tem certeza? Não vão achar que sou uma “intrusa”?
...
- Então tá bom, te encontro lá por volta das 18:30h, mais ou menos, pois como sabe dependo do trânsito...

Final de tarde de agosto, Centro Cultural São Paulo.
De todos que lá estariam, conhecia apenas uma pessoa, que estava se tornando um grande amigo e companheiro. Ficou com receio. Afinal, sempre foi de expressar suas opiniões, sugerir suas idéias... muitos não estão abertos a essas “trocas” quando vindas de uma desconhecida... Mas ela foi. Estava determinada a preencher todo o seu tempo de toda forma que pudesse, na esperança de que essa atividade conseguisse, ao contrário das demais, realmente ocupar sua cabeça, desviar seu pensamento.
Ficou feliz com o resultado da reunião. Foi bem recebida e aceita para integrar uma das comissões organizadoras. Agora era partir para o trabalho.

A necessidade de preencher sua vida de modo a tentar neutralizar todas as lembranças, todo o turbilhão de sentimentos que lhe traziam, era tamanha que mergulhou de cabeça nesse novo projeto. Passou de integrante da Comissão de Patrocínio para integrante da Coordenação Geral. Cuidou da divulgação, organização dos alojamentos, da contratação dos banheiros químicos, da tenda, da última festa do evento, das inscrições... não parou. Durante 8h fazia seu trabalho no Centro de Documentação da empresa em que trabalhava e durante as 24h do dia pensava e trabalhava para realizar o encontro dos estudantes.
As tentativas anteriores tinham falhado. Desde o dia em que aquele e-mail pôs um fim no que havia, e ela sabia que era preciso ocupar a mente.
Assim vieram os cursos de literatura, de poesia, de história da arte. Queria retomar os estudos sobre os assuntos que gostava e que havia, de certa forma, abandonado, por tantos motivos. Saía do trabalho e alternava suas noites entre as aulas na faculdade, a Casa das Rosas, a Biblioteca Alceu Amoroso Lima, as aulas no MASP (aos sábados) e às idas à Pinacoteca do Estado.
Já vinha pensando em tudo, antes mesmo do fim. Conseguiu sentir mas não racionalizar. E ainda não tinha conseguido. Entretanto, entendeu que precisava parar de pensar em tudo aquilo. Escutava Macy, no metrô, (“I try to say good-bye, and I choke; Try to walk away, and I stumble”...) e (fazia tanto sentido) compreendia isso tão bem… E não importava se estava escutando algo ou não, chorava no metrô, no ônibus, no meio do almoço na praça de alimentação do shopping que freqüentava de segunda à sexta. Não controlava as lágrimas e os soluços e a tristeza e a dor. O choro acontecia em frente ao seu computador no trabalho, enquanto caminhava pela rua, durante o banho, deitada na cama. E depois de muito, muito tempo, percebeu que precisava ocupar sua mente de forma que pudesse estancar tudo aquilo.
Sempre se preocupou em não demonstrar seus sentimentos. Nunca gostou disso. E agora, que não podia controlar, preocupava-se.
Com a responsabilidade de organização do evento vieram também as novas amizades, tímidas de início, mais relações de trabalho... porém conseguiu estreitar laços com pessoas diferentes, que despertavam sua curiosidade... sabe aquele sentimento de empatia? Ela sentia por alguns, e conseguiu se aproximar.
Reviveu os tempos da faculdade no interior. As conversas sobre disciplinas, as opiniões sobre a profissão, o mercado de trabalho, professores, os rumos políticos da faculdade, as festas, as músicas... enfim, reencontrou-se, de certo modo, com o mundo que tinha deixado.
Óbvio que não tinha esquecido. Não havia um dia sequer que passasse sem pensar, em tudo o que viveu, no que havia se tornado e nas milhares de hipóteses que criava em sua cabeça para tentar entender como as coisas tinham caminhado para aquele fim. Continuava sendo difícil, sim. Mas o trabalho na organização tinha conseguido amenizar a angústia, a dor e controlar (um pouco) as lágrimas.
Na manhã do primeiro dia do encontro, os ônibus chegavam de São Carlos, Rio, Minas, Paraná, Goiânia... e, enquanto realizava as inscrições da galera, começou a sentir-se mal... não soube explicar ao pessoal o que exatamente estava sentindo. Vendo que piorava, deixou a mesa das inscrições e saiu para respirar melhor debaixo das árvores que balançavam levemente com a brisa que soprava. Ficou ali por uns 20 minutos. Achou que fosse desmaiar. Sentiu tontura e um vazio... um vazio imenso... ficou angustiada. Pensou em ir ao HC, mas decidiu controlar tudo aquilo sozinha, mesmo não tendo a menor ideia do que estava acontecendo. Tinha comido na noite anterior, tinha dormido (bem pouco, é verdade), mas estava acostumada, e não estava “preocupada” com o evento ao ponto de passar mal por isso. Conversou consigo mesma em pensamento, respirou fundo por muitas vezes, pensou... O vento foi soprando em seu rosto, em sua nuca, acalmando o peito e fazendo sua cabeça ficar um pouco mais leve. A angústia foi minimizada. Voltou para as inscrições.
Durante os quatro dias de evento ela e todos os envolvidos na organização e apoio não pararam. Dias longos. A noite de sono mais longa durou 3h e meia. Muito, muito trabalho, alguns estresses, muita coisa pra resolver, correria e, também, muita gente diferente, muita troca, palestras, boas risadas, música, interação. Foi um momento ímpar. Um grande aprendizado.
Ao final do evento, uma amiga querida que tinha feito parte do melhor ano de sua vida, chegou para passar 2 dias em sua casa. Precisava tirar seu visto no Consulado, para viajar para os Estados Unidos e aproveitaria para matar a saudades.
Ficou feliz com a companhia. Afinal, não se viam há quase 1 ano. Fizeram os passos necessários: banco, consulado, Mc Donald’s, casa. À noite, mais conversas do que sono (o básico nas noites entre amigas) e então ela foi embora.
Estava exausta, mas feliz com todos os acontecimentos de sua última semana. Sentiu que poderia recuperar a vontade de se entregar as atividades que gostava com a mesma dedicação de antigamente. Voltou a sentir orgulho do seu trabalho, do modo como encara as diversas situações. Voltou a ter confiança. E, o que mais a impressionava, a maneira como agiu: com a calma e tolerância, que não eram comuns. Não, não era intolerante, arrogante, briguenta. Não era uma pessoa descontrolada, mas a verdade é que não costumava ter muita paciência com pessoas que não tinham o mesmo “ritmo” que o seu.
Na quinta-feira pela manhã tinha uma reunião importante no trabalho. Foi dormir mais cedo. O corpo já mostrava os sinais de cansaço acumulado nas últimas semanas.
Às 23:55 acordou assustada com o som do celular. Odiava acordar com toque de telefone, campainha, alarme... Tinha recebido uma mensagem. Sonolenta, leu: “Oi, sabe que o ele não tá bem? Bj.”
Em seguida, ligou de volta.

- Sabe que ele está doente?
- Sei que esteve doente, mas que já está bem. O que tem?
- Está internado, na UTI, e está muito mal. Não sabia se estava sabendo, então resolvi te falar...
- Como assim? Ele mesmo me disse que tinha ficado doente há uns 2 meses, que chegou a ficar internado, mas me garantiu que já estava bem. Que não havia sido nada de sério...
- Esteve mesmo, mas ficou mal de novo e desta vez... não sei... estão todos muito preocupados... ele está muito mal... a família está com ele.
- Meu Deus... eu não sabia! Ninguém me falou! Mas... como?! Como não soube disso antes?! ... Vou falar com a mãe dele, vou ver o que posso fazer... Obrigada por ter me avisado.
Desligou o celular completamente desnorteada. Abriu a porta do quarto, desceu as escadas e foi para a cozinha. Um milhão de pensamentos passavam por sua cabeça e ela parecia estar caindo em um buraco sem fim. Estava tonta.
Sua mãe tinha chegado a poucos minutos do trabalho e estava jantando. Ela contou sobre o telefonema e começou a chorar. Sua mãe lhe fez um chá, a consolou e orientou para que ligasse para os pais apenas pela manhã, pois já era tarde...
Voltou para a cama e tudo parecia tão surreal.
Na manhã seguinte, foi para o trabalho. Antes de entrar na reunião, ligou. Teve que correr para o banheiro. A mãe dele estava na capela, rezando, quando atendeu o telefone e desabou num choro repleto de soluços quando reconheceu a voz de quem ligava. Realmente era muito grave. Prometeu ir ao encontro deles no mesmo dia.
Desligou o celular, respirou fundo, lavou o rosto e foi para a reunião. Apenas o corpo presente. Pensava em pesquisar os horários de ônibus, comprar a passagem, avisar os pais, passar em casa e correr para a rodoviária.
Reunião terminada, pegou sua bolsa e saiu. Ligou para os pais e também para a amiga, aquela que dois dias antes tinha recebido em sua casa. Agora seria a vez dela a receber.
Durante os 8 anos em que morou fora, seu pai sempre a levou e a buscou da rodoviária sem a companhia de sua mãe. Desta vez, os dois a acompanharam. Estacionaram o carro, foram ao guichê, compraram a passagem e a embarcaram no ônibus.
Ele estava mesmo muito mal. Tinha sido internado na quinta-feira anterior. Coincidentemente, ou não, no dia em que teve o mal estar.
Estava na UTI, consciente, mas não falava e não se mexia. Apenas movia os olhos.
A primeira vez que entrou para vê-lo, estava dormindo. A medicação o fazia dormir e inchar muito. Seu rosto estava diferente, mas ainda era o cara que amava. Não se viam há um ano e sete meses. E assim que o viu tanta coisa veio à tona... Estava deitado, cheio de aparelhos, tubos e com o lençol abaixo dos ombros. Viu seu peito, teve uma imensa vontade de abraçá-lo, de senti-lo e deitar sua cabeça nele, como havia feito tantas vezes.
A pedido dos pais dele, saiu da casa da amiga e foi ficar no apartamento com eles. Momento doloroso voltar a colocar os pés naquele apartamento. Ainda mais naquela situação. Ainda cheia de feridas abertas... a última vez que havia estado lá já sentia que as coisas não estavam bem entre eles... mas estava engasgada... não conseguia entender o que estava sentindo, o que estava acontecendo... e as lembranças daquele último carnaval juntos machucavam demais. Somava-se a isso o fato de ele não estar ali. Mas manteve a pose. Somente ao entrar no banheiro, com o chuveiro ligado para abafar o som, é que desmoronou em lágrimas. Sentia o peito mais apertado que nunca. Meus Deus, como doía.
No dia seguinte, entrou para vê-lo junto com uma das amigas dele. Estava acordado. Meio “grogue”, mas acordado. A amiga conversou muito. Ficou do lado direito da cama, enquanto ela no esquerdo, um pouco mais afastada. Sempre agia assim, essas situações a travavam. Ficou calada. Invejando a facilidade de expressão de sentimentos da amiga que citava os nomes das muitas pessoas que estavam lá no saguão do hospital para ter notícias dele (e que não podiam entrar, já que a visita era limitada a 2 pessoas, além dos pais). Foi então que percebeu que ela tinha esquecido de um nome e o falou em voz alta.
Imediatamente ele virou o rosto para o lado de onde tinha vindo a voz. Então ela se aproximou um pouco, a amiga dele disse quem estava ali e nesse instante, uma lágrima rolou no rosto dele. Ele reconheceu minha voz, pensou. E travou mais ainda. Não conseguiu dizer nada do que realmente queria... mas disse que estava lá e acreditava em sua recuperação.
Era uma contradição, uma de suas maiores características era justamente falar o que pensava, expor suas idéias e opiniões não importava em que ambiente estivesse... Entretanto, constatava diante de tudo o que vinha passando que, nos momentos mais importantes, ela se calava. Tinha uma extrema dificuldade em exprimir seus sentimentos. Assim foi com as avós, quando estavam internadas. Assim era agora. Nos momentos mais importantes, ela falhava.
Falhou por dez dias, seguidamente. O máximo que consegui dizer a ele foi o quanto sempre o admirou e o admirava. Que era a pessoa mais determinada que tinha conhecido e que acreditava que ficaria bom.
De fato era verdade, tudo o que conseguira dizer era verdade. Principalmente a confiança que tinha em sua recuperação.
Mas não deu certo. Toda a sua esperança e todos os pedidos mais profundos a Deus, à sua falecida avó, aos santos e anjos para que o ajudassem a sarar foram em vão.
E junto com a dor inconsolável da perda, do sentimento de impotência diante do irremediável, ficou ainda o pesar do nó na garganta. O nó que transformou o não dito que precisava tão necessariamente ser dito em mais dor, mais angústia... num arrependimento sem fim.

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